Em 25.08.2020, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do habeas corpus n. 142.205, sob a relatoria do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, decidiu que réus delatados têm legitimidade para questionar a licitude de acordos de colaboração premiada que lhes mencionem.
Trata-se de importante e inédita decisão, que externou entendimento diverso daquele que vinha sendo aplicado pela Corte Suprema. Com efeito, as duas Turmas do STF entendiam que o acordo de colaboração premiada seria um mero contrato bilateral, firmado entre acusação e delator, de modo que a sua homologação por si só não produziria “nenhum efeito na esfera jurídica do delatado” .
Nesta linha, entendiam que não seria o acordo propriamente dito que teria o condão de atingir terceiros, “mas sim as imputações constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de direitos fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses depoimentos e nas provas por ele indicadas ou apresentadas – o que, aliás, poderia ocorrer antes, ou mesmo independentemente, de um acordo de colaboração” .
E o que agora reconheceu a Segunda Turma do STF – com total acerto, na nossa visão – é que a simples homologação de acordo de colaboração premiada tem, sim, capacidade de acarretar “gravoso impacto à esfera de direitos de eventuais corréus delatados” , como já comprovadamente ocorreu em casos concretos. Nesse sentido, privar os réus delatados de questionar acordos manifestamente ilegais acabou por ocasionar uma “quase total intangibilidade e incontrolabilidade dos acordos de delação” . Nos termos do voto do Exmo. Min. Gilmar Mendes, foi muito bem pontuado que “por efeito colateral, tornamos os acordos de colaboração premiada praticamente intocáveis” .
Ao reconhecer referida possibilidade de questionamento de terceiros acerca da validade e legalidade de acordos de delação premiada, ademais, a Segunda Turma foi além e instituiu: (i) a possibilidade de anulação dos acordos manifestamente ilegais; (ii) a necessidade de se reconhecer a ilicitude dos depoimentos prestados no âmbito de acordos que venham a ser anulados; e (iii) a necessidade de se registrar, preferencialmente por meio de áudio e vídeo, todo e qualquer ato praticado no âmbito de acordos de colaboração premiada, inclusive as negociações, até para possibilitar o devido controle de legalidade por terceiros e como forma de coibir abusos eventualmente praticados pelas partes – como teria ocorrido em alguns casos concretos.
Por fim, a Segunda Turma manteve os benefícios premiais concedidos aos delatores no caso em comento, pois, de acordo com o entendimento do Relator, as ilegalidades que macularam o acordo de colaboração premiada decorreram de atuação abusiva dos membros do Ministério Público.