Como se sabe, a população carcerária do Brasil é uma das maiores do mundo. O que mais chama a atenção em relação a esse fato, todavia, é o altíssimo número de presos provisórios no país, que, não raras as vezes, aguardam detidos o julgamento de seus processos criminais por anos a fio.
Ocorre que a prisão preventiva é medida excepcional e extrema, que deve ser imposta apenas em último caso, e sua duração não pode ser eterna ou mesmo excessiva. Visando garantir a necessidade e provisoriedade das prisões preventivas, a Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), com acerto, inseriu o parágrafo único ao artigo 316, do Código de Processo Penal, que estabelece que “deverá o órgão emissor da decisão [de prisão] revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Apenas 6 (seis) meses após a promulgação do novo diploma legal, como esperado em um sistema que encarcera seus indivíduos com tanta facilidade, as divergências acerca da aplicação do novo dispositivo legal começam a surgir.
Ao negar pedido liminar formulado no Habeas Corpus nº 589.544/SC, a Exma. Ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que o novo mandamento legal, ao estabelecer a necessidade de revisão das ordens de prisões preventivas no “exíguo prazo de 90 (noventa) dias”, sucessivamente, instituiu tarefa inexequível e descabida aos Tribunais pátrios, “todos abarrotados” de trabalho. Para a Nobre Ministra, tornar ilegal prisão preventiva que não seja revisada a cada 90 (noventa) dias significa impedir “o Poder Judiciário de zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade”.
Por outro lado, o Exmo. Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, deferiu pedido liminar, nos autos do Habeas Corpus 187.803/MG, pois entendeu que a ausência de revisão da decretação da prisão preventiva no período de 90 (noventa) dias configura manifesto desrespeito à previsão legal, “surgindo o excesso de prazo”. Ou seja, para o Ministro da Corte Suprema, o não cumprimento do novo dispositivo legal enseja manifesto constrangimento ilegal, revelando-se a revogação da prisão em tais casos medida de rigor.
Com todo o respeito devido, parece-nos acertado o posicionamento do Exmo. Ministro Marco Aurélio, pois a necessidade de imposição de tão severa medida a cidadãos deve ser constantemente revisada – e fundamentada – sob os prismas da necessidade e proporcionalidade. São os elementos concretos de cada caso, absolutamente mutáveis ao longo do tempo, que autorizam ou não a manutenção da prisão preventiva. Não podem os indivíduos investigados ou processados serem obrigados a arcar com os ônus que lhes são impostos, como a permanência por tempo excessivo na prisão, em razão das dificuldades práticas enfrentadas por nossos Tribunais para fazerem valer a lei.
Permitir que presos provisórios e, portanto, presumidos inocentes, permaneçam indefinidamente em cárcere para que, nos dizeres da Exma. Ministra Laurita Vaz, “o interesse da sociedade de ver custodiados aqueles cuja liberdade representem [sic] risco à ordem pública ou econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal” configura, a nosso ver, manifesta violação aos princípios constitucionais mais básicos do Estado Democrático de Direito.
*Marina Franco Mendonça, formada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; pós-graduanda em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e pela Universidade de Coimbra